sexta-feira, maio 20, 2016

O diário do Homem mau 44.

Sou a favor da eutanásia e respeito suicídio. Não me apetece escrever sobre as devidas diferenças, apenas que a libertação é um direito.

...no fim, o Coelho já mal falava, já mal pronunciava a palavra, arregalava os olhos e pedia "morf", pela metade. O rosto daquele pedido era o retrato do terror. Lembro o dia em que tive de fazer o percurso do seu quarto até à sala do médico para dizer o impensável. "Ambos sabemos que vai partir, dê-lhe morfina e em força." Assim, a seco. A mãe a olhar-me, curvada, mirrada, consentiu com a cabeça. Assumíamos ali a sentença.

Ninguém quer morrer, abandonar os seus, ninguém deixa de amar aqueles por quem daria a vida, mas há dores tão agudas, tão inenarráveis, que deixam tão sem vida, tão só apenas com a carcaça, que, perante elas, só um psicopata, que não consegue colocar-se no lugar do outro, que tem o secreto desejo de ver sofrer, de controlar aquilo que não lhe diz respeito, pode argumentar contra o direito de libertação.

...A morfina não resultou. Mas a morte foi generosa e veio depressa. Mas e se não viesse? Por quanto tempo teria aquele corpo de suportar aquele sofrimento excruciante? Apenas, e só apenas, enquanto quisesse. Ponto.

E Deus? Deus é Amor, e habita nos homens livres. O resto é medo ou, pior, Poder. Leonor Paiva Watson